Brasil falha no essencial ao demonstrar a sustentabilidade do agro, diz CEO do Rabobank
Fabiana Alves aponta foco do banco em desincentivar abertura de novas áreas e estimular recuperação de terras degradadas

Um velho ditado romano dizia que à mulher de César não lhe bastava ser honesta, mas também precisaria parecer honesta.
A lógica mesma serve para a sustentabilidade do agronegócio brasileiro que tem grandes ativos ambientais, mas não o parece aos olhos globais.
Esse foi um dos pontos da entrevista exclusiva com Fabiana Alves, CEO do Rabobank no Brasil, que também abordou o momento do crédito privado, desafios estruturais e os focos do banco no país.
A executiva também participará do World Agritech Summit, na próxima semana em São Paulo, com cobertura completa aqui no Agrofy News.
Com vistas à COP30, ela adverte que, apesar do Brasil ser líder em preservação ambiental em áreas privadas e outras práticas, a ausência de homologação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) impede o país de demonstrar plenamente seu compromisso com a sustentabilidade.
Neste caso, os produtores rurais estão fazendo a sua parte, mas a burocracia em nível estadual, não. Apesar de mais de 90% das propriedades já terem realizado o cadastro, apenas 3% foram homologados devido à lentidão burocrática dos entes estaduais.
"A falta de dados atualizados e a desconexão entre monitoramentos estaduais e federais dificultam a atuação do setor financeiro na verificação do compliance ambiental”, constata.
Para ela, o cenário do crédito privado no Brasil enfrenta ainda outras limitações. Além da alta taxa de juros “que machuca” aos tomadores de financiamento, as dificuldades também envolvem insegurança jurídica.
Fabiana frisou que decisões judiciais recentes envolvendo recuperações judiciais e classificação de terras como bens essenciais abalam a confiança do setor financeiro.
"A gente não vê uma uma segurança jurídica adequada, certamente o crédito fica comprometido, o volume de crédito fica comprometido. Isso faz com que bons pagadores arquem com o custo dos maus”, explica.
Confira a íntegra da entrevista no vídeo e abaixo:
Agrofy News (AN): Fabiana, como você vê o cenário do crédito privado para a próxima safra aqui no Brasil?
Fabiana Alves (FA): Bom, como eu sempre digo, o agro é um setor de extremo interesse para o setor financeiro privado. Ao longo das últimas décadas, o setor cresceu tanto que os programas públicos de financiamento não conseguiram atender totalmente essa demanda, o que abriu espaço para o crédito privado.
É um setor que entrega muitos ganhos de eficiência, continua crescendo, é base da nossa economia, representando mais de 25% do PIB e dos empregos também.
Portanto, é conceitualmente extremamente interessante, além de trabalhar com crédito colateralizado por ativos de alto valor — que são as terras —, especialmente quando falamos de crédito à produção primária. É um setor muito atrativo, conceitualmente.
O problema que enxergamos são, sim, as taxas de juros, que machucam e tornam os investimentos menos atrativos, principalmente aqueles que dependem de capital de longo prazo. E há um segundo aspecto muito importante, que é a segurança jurídica.
O crédito privado hoje está abalado, impactado por uma insegurança jurídica, vinda de recuperações judiciais e da determinação de terra como bem essencial.
O crescimento do crédito no setor foi pautado no uso da alienação fiduciária como instrumento de garantia, que trouxe segurança para as instituições financeiras. Essa segurança está sendo questionada com decisões judiciais recentes.
Se não tivermos uma segurança jurídica adequada, certamente o crédito fica comprometido, o volume de crédito fica comprometido. E o que é muito ruim nessa história é que os bons pagadores acabam pagando a conta dos maus pagadores.
AN: Todo risco se reflete em crédito mais caro, né?
FA: Exatamente. Esse é um grande ponto de atenção. O segundo grande ponto são as questões ambientais. A regulamentação está ficando mais explícita e mais restrita.
O monitoramento está sendo atribuído como responsabilidade da indústria financeira — o que tudo bem —, mas, para isso, a indústria precisa contar com um processo de monitoramento e com a oferta de dados públicos de qualidade e no tempo adequado para as transações financeiras.
Quando o monitoramento traz dados atrasados, isso nos impacta.
E, quando a celeridade dos processos administrativos, necessários para garantir o compliance ambiental, não acompanha o timing das transações financeiras, isso também impacta muito.
Esse é um ponto extremamente sensível, especialmente pela baixa homologação dos CARs no país e pela desconexão entre o monitoramento federal e os monitoramentos sob autoridade dos estados. É algo que o governo precisa, de fato, resolver.
AN: Comparando com outros países, como funciona essa questão da segurança jurídica e do monitoramento ambiental? Dá para o Brasil aprender algo a partir dessa experiência global?
FA: São aspectos muito menos críticos em outros países. Por exemplo, temos uma atuação forte na Austrália, nos Estados Unidos e na Holanda. Lá, essas não são questões que trazem essa preocupação. A regulamentação está muito melhor alinhada com a disponibilidade de dados públicos e com a celeridade dos processos administrativos e de compliance.
Então, realmente, esse é um problema que não temos em outros países. Além disso, os processos jurídicos nesses mercados correm de forma muito mais rápida, com muito mais previsibilidade e com um framework muito mais claro em termos de expectativa dos resultados. Isso traz muito mais segurança para a indústria financeira.
AN: Você comentou sobre as recuperações judiciais e essa insegurança jurídica. Isso muda o apetite do Rabobank para financiar o agro no Brasil?
FA: Não muda o nosso apetite. Continuamos, sim, com apetite para financiar o setor e crescer junto com o agro. O que muda é o nosso processo de seleção dos clientes e das transações que damos suporte financeiro. É o rigor com que fazemos as avaliações, principalmente no primeiro momento.
AN: E como é a atuação do Rabobank no Brasil? Existem perfis de clientes, tipos de cultura ou regiões que vocês priorizam? Ou é uma análise focada apenas na solvência, nos aspectos ambientais e trabalhistas?
FA: É por tudo. Na verdade, somos supercriteriosos, numa avaliação bastante universal do cliente. Começamos, sim, pela capacidade de geração de caixa da operação. Especificamente, o Rabobank é focado em commodities globalmente precificadas. Estamos muito focados em dar suporte dentro da cadeia ao que é voltado para exportação, direta ou indiretamente.